Hidroginástica: da investigação à prática de qualidade
O que é uma aula de Hidroginástica? Qual o seu objetivo? Para quem? Quais são os fundamentos base desta aula? Um coordenador técnico deve ter conhecimentos suficientes para saber avaliar a qualidade de uma aula de Hidroginástica; não basta ser divertida e ter música!
Num tempo onde Exercise is Medicine e o Feel Good factor são considerados fortes argumentos para a atração e retenção de clientes na indústria do Fitness, é estranho notarmos o distanciamento da investigação à prática de qualidade. No âmbito da Hidroginástica, em Portugal, quase que podemos dizer que esta modalidade tem-se destacado por ser a “ovelha negra” de alguns ginásios/health clubs”. O facto de estar na água a realizar movimentos com música não significa, de todo, que o trabalho realizado está a ser adequado para proporcionar estímulos suficientes para promover o treino das principais componentes da aptidão física. É uma prática muito subjetiva, de difícil quantificação da carga e onde o recrutamento muscular depende da capacidade do indivíduo de aplicar força na água de modo a gerar maior resistência hidrodinâmica, sendo completamente diferente dos exercícios realizados em estúdio.
Muito embora esta modalidade seja muito procurada, no geral, observa-se uma ausência de conhecimentos sobre os fundamentos desta prática. O saber usar a água, o planeamento, a adequação de metodologias aos objetivos e um profissional com um perfil muito especial (competências de professor de natação combinadas com competências de liderança de aulas de grupo de estúdio, uma enorme capacidade de comunicação, liderança e paixão pelo exercício aquático), são chaves para o sucesso de uma aula de Hidroginástica.
Apesar de ainda serem escassos os de estudos sobre os efeitos agudos de cada padrão de movimento, a hidroginástica (praticada nas vertentes shallow water ou deep water), é utilizada no âmbito da prevenção, através dos programas que promovem a melhoria da condição física (fitness), no treino desportivo e também em programas de reabilitação/hidroterapia. Os benefícios crónicos desta modalidade, conhecida como um conjunto de exercícios praticados na água, predominantemente na posição vertical, com ou sem música e com ou sem equipamento adicional, são devidamente suportados pela literatura. Há evidências científicas sobre seus efeitos positivos na melhoria da aptidão aeróbia, da força, da flexibilidade; da composição corporal, do equilíbrio, da capacidade de realizar atividades do dia-a-dia, no alívio de sintomas de doenças músculo-esqueléticas, na qualidade de vida relacionada com a saúde e na saúde mental (principalmente em casos de depressão ligeira, na ansiedade e autoestima).
Estes benefícios devem-se principalmente às especificidades da água, nomeadamente às suas propriedades hidrostática e hidrodinâmica. A força de flutuação é de sentido oposto à ação da força de gravidade e é responsável por amenizar o impacto na realização dos movimentos no eixo vertical. É referida como o principal mecanismo para a diminuição das forças de compressão intra-articular, onde a magnitude do impacto gerado pelas forças de reação do solo dependerá do nível de imersão do corpo, da densidade corporal do praticante, das habilidades aquáticas do praticante e dos padrões de movimento utilizados. A força de flutuação é muito vantajosa pois permite que grávidas, pessoas com obesidade ou com dor músculo-esquelética realizem exercícios aeróbios com menor sobrecarga mecânica nos membros inferiores. Em relação à pressão hidrostática sabe-se que esta melhora a circulação periférica e atua nos recetores da dor. Este efeito positivo no controlo da dor ainda é mais acentuado quando combinado com o relaxamento muscular proporcionado pela ação da força de flutuação e pela temperatura da água da piscina superior a 28ºC. A pressão hidrostática aumenta 1 mmHg a cada 1,36 cm de profundidade, o que significa que quando o corpo está imerso à 1,2 metros de profundidade, a pressão exercida pela água em redor dos membros inferiores é superior à pressão diastólica normal (60-80 mmg), podendo contribuir para a melhoria do retorno venoso. Juntamente com a turbulência criada pela resistência hidrodinâmica, esta é uma das explicações para o efeito massajador da água, que promove a diurese da imersão e consequente redução de edemas e inchaços.
Passando do conhecimento teórico à prática, deixo aqui uma questão essencial:-Como saber se a aula é bem ministrada? - Um coordenador técnico deve ter conhecimentos suficientes para saber avaliar a qualidade de uma aula de Hidroginástica; não basta ser divertida e ter música! Uma boa aula não implica necessariamente ter sempre a música ligada. Pelo contrário, quando a música é mal utilizada pode comprometer a correta realização dos exercícios e a qualidade da mesma, principalmente no que se refere à motivação e a capacidade de usar a água como sobrecarga natural.
O profissional com o cargo de coordenação ou direção técnica que tem sob a sua alçada serviços de Hidroginástca, deveria saber responder a simples questões, tais como: - Qual a diferença na utilização dos halteres e de umas luvas de neoprene? Quais as suas componentes críticas? Como se faz um treino de força na água? Terá um agachamento na água o mesmo efeito que tem quando realizado em “terra”? Quando alunos se queixam de frio em água 30ºC será problema da água ou da metodologia utilizada? Como alterar a intensidade do trabalho na água? Como garantir o conforto térmico? Aumentar a cadência do exercício ou os batimentos da música significa maior intensidade ou maior consumo de oxigénio? Quais são os padrões de exercício aquático que podem promover maior consumo de oxigénio quando comparados entre si? Que benefícios um atleta poderá obter desta prática como um treino complementar? Como prescrever e liderar um treino personalizado na água?
Obviamente tais questões são complexas e muito específicas, quer em relação aos fundamentos da modalidade, quer em relação aos métodos e estratégias a serem utilizados na sua implementação. Por esta razão e por saber que esta área ainda tem muito por onde evoluir, proponho aos leitores desta revista que ajudem a desenvolver uma hidroginástica de qualidade, com uma constante busca do conhecimento, estimulando uma formação contínua e especializada e principalmente, contratando professores com o perfil adequado para trazer um valor acrescentado, não só à modalidade em si, mas aos serviços prestados.
Referências
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