Sabe quem é Analice Silva, a matriarca dos corredores?
Como será que alguém pode ser capaz destas proezas? Como é que alguém é capaz de tocar tanta e tanta gente e motivar pequenos e graúdos a correrem e a praticar desporto?
Sendo esta área dedicada a aprender mais sobre temas como o coaching, programação neurolinguística e o desenvolvimento pessoal em geral, tenho procurado mostrar, também, alguns exemplos de "caras" bem reais que dão corpo a alguns dos princípios que são a base destas áreas do comportamento humano. Algumas dessas "caras" são figuras públicas e conhecidas do público em geral (muitas delas devido ao seu sucesso público desportivo), outras porque são uma prova, acima de tudo, do sucesso interior e da paixão por uma causa.
Nesta edição, gostaria de falar sobre alguém que pode ser desconhecido para a grande maioria dos leitores desta nossa revista e, com certeza conhecida, de um grupo muito restrito de pessoas que praticam trail e ultra trail. Falo de Analice Silva, pessoa que nunca conheci, e que me habituei a conhecer por relatos dos inúmeros aventureiros das lides das corridas de longa distância entre vales, rios, montanhas, desertos e tudo o mais que a natureza lhes possa apresentar.
Analice Silva nasceu em 1943, tinha 73, e correu a sua última corrida em dezembro do ano passado. Ultramaratonista de exceção e muito popular no "pelotão" foi abandonada em criança, escravizada e vítima de violência doméstica.
Após viver mais uma tragédia na sua vida (o seu bebé nasceu morto após sete meses de gravidez) foi no último dia de 1980 que decidiu começar a desintoxicar os seus pulmões dos cigarros que fumava (tinha lido num jornal que os pulmões de um fumador precisam de dez anos para recuperar a saúde e achou que "dez anos é muito tempo”) E comecei logo nessa noite a aventura das corridas."
A corrida tornou-se um vício. Começou a fazer provas e sempre acreditou que tudo teve o seu tempo, tudo teve o seu timing.
Pouco tempo depois fazia a primeira maratona e a primeira prova de 100 quilómetros em montanha. Para além de ter vencido, estabeleceu um novo recorde sul-americano com o tempo de 11h42. Nos três anos seguintes subiu sempre ao lugar mais alto do pódio dessa corrida.
Correu inúmeras maratonas e meias-maratonas, fez dezenas de provas de 100 quilómetros, na estrada e montanha. Com mais de 60 anos de idade, percorreu por três vezes Os Caminhos do Tejo, de 146 quilómetros; fez provas de 167 quilómetros em Espanha; ou entre Lisboa e Mação, num total de 254. A maior prova que fez foi a Volta ao Minho, com 385 quilómetros. (ver em nit.pt)
Mas tinha um sonho maior: correr a Maratona das Areias, Marathon des Sables, em Marrocos, uma prova que em média tem entre 230 e 250 quilómetros, o equivalente a 6 maratonas regulares, considerada a corrida de aventura fisicamente mais exigente do planeta. Em 2013, apadrinhada pelo ultramaratonista Carlos Sá fez mesmo a prova.
"Tenho muita pena de nunca ter contado os quilómetros que já fiz na vida. De certeza que estava no Guiness." Em 2014 correu 1500 km, em 2015 correu 1800 km… só em provas!
Os seus treinos eram as provas, costumava dizer. No início da carreira era competitiva, ia para todas as provas para ficar sempre nos 5 primeiros lugares.
À medida que o tempo foi passando a paixão de "apenas correr" já lhe punha o sorriso inigualável que todos aprenderam a reconhecer ao longo dos trilhos e que tanto incentivava os menos experientes.
À pergunta "até quando vai correr" respondia inicialmente, "Quando fizer 50 eu paro." resposta que depois passou para "Quando fizer 60 eu paro." até deixar de responder, porque não encontrava nenhuma razão para parar… aliás, só encontrava razões para continuar, continuar e continuar!
Com uma imagem doce, delicada e franzina, Analice era tudo que a essência humana pode ser! Tudo aquilo que quer ser! De uma humildade surreal, quase sempre só os outros viam a sua enorme grandeza humana e incríveis capacidades físicas. "Os meus 200 quilometrozinhos de areia" dizia Analice, face às suas inúmeras distâncias tantas vezes percorridas.
A última prova em que Analice Silva participou foi a São Silvestre de Almada, a 17 de dezembro de 2016. Para quem não a conheceu, fazendo uma pesquisa poderá constatar os vários tributos que foram feitos em sua homenagem, após a sua morte em fevereiro deste ano!
Vale a pena ver reportagens que estão online e ver a simplicidade de uma mulher que se atrevia a sonhar e que achava de um egoísmo atroz "tomar o lugar de outros quando eu já consegui um sonho".
Para mim, sinto-me um privilegiado por não ter conhecido pessoalmente Analice e ao mesmo tempo ter conhecido as suas façanhas e, acima de tudo, o impacto ternurento que provocou em milhares de corredores e amigos por esses longos caminhos fora! Esta aparente contradição da minha parte ("privilegiado por não ter conhecido pessoalmente Analice") faz-me ter bem presente que a essência humana é feita por pequenos gestos, por pequenas humanidades muitas vezes não visíveis e não reconhecidas do grande público e que fazem parte da matéria que cada um de nós é feito! A capacidade de deixar nos outros uma emoção positiva por se terem cruzado connosco! E era disso que Analice era feita! Pessoa desconhecida para mim! E acredito que é disso que todos nós somos feitos… tantos e tantos que são também para mim desconhecidos!
Como será que alguém pode ser capaz destas proezas? Como é que alguém é capaz de tocar tanta e tanta gente e motivar pequenos e graúdos a correrem e a praticar desporto? Como é que alguém pode ter em si uma energia tão grande que irradia para os que estão à sua volta?
Reconheço a resposta a estas perguntas numa expressão que era muito dela...
"Eu sou feliz no que faço!" dizia Analice…. "Até mais ver."
Nota: pelo facto de não ter conhecido Analice Silva recorri a conteúdos disponíveis na Internet. Deixo aqui algumas fontes que reproduzi ao longo deste artigo: Nit.pt; TSF Runners; Facebook Analice Silva; Porto Canal.
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